Wednesday, July 26, 2006

Com esse blog, o leitor poderá acompanhar a criação de uma bra em prosa onde a literatura, a realidade e o lúdico se encontram em estado de construção e aprimoramento, podendo opinar em ralação ao texto e ao título em aberto. Espero que gostem e deixem seus comentários. Por mais impiedosos que sejam.
Capítulo I.

_E aí, o que você achou do conto?
_Como cê pode pensar em literatura num momento como esse?
_Por que não?
_Sente só o vento, pega no meu seio, isso é a vida!
Com um sorriso como aquele como não pensar em poesia? Com essas palavras profanadas por lábios capazes de causar guerras e dizimar nações inteiras como não transpor para o literário?
_O que deve passar agora na mente do poeta? A mulher amada, o cenário deslumbrante. Você consegue pensar nessas coisas sem transforma-las em imagens que podem leva-lo à glória literária?-Ela molhava os pés e olhava pra água aparentemente sem interesse.
_Um assento ao lado dos imortais nunca foi meu propósito principal, seria bom viver de literatura e vender um monte de livros que nem o Paulo Coelho. As mulheres e os caras de mau gosto adoram escritores como o Coelho e Dan Brow que escrevem de forma simples e tratam de mistério e misticismo em suas narrativas.
_Cê é mesmo um otário! Tem preconceito com tudo que está em evidencia, como se todos estivessem errados e só você, o venerável poeta, soubesse de todos os mistérios da consciência humana.
Ela adorava ir de encontro ao meu estilo de vida. Depois de mais algum tempo iria odiar mais algumas coisas até o dia em que me detestará por completo e isso sempre me atormenta. Assim como o guardador de livros Bernardo Soares, ando sempre a prever o fim das coisas e a sofrer antecipadamente. Lembro daquele dia no ônibus. Ela sentou ao meu lado e naquele sólido instante, parecia que ouvia meu coração acelerado. Quando ia puxar conversa, ela pediu ponto. Vi uma aliança em seu dedo, fiquei morrendo de vontade mesmo assim; mulher dos outros tem perfume adrenalínico. Mas já faz três anos e ficamos diferentes. Lua era muito bonita só que a instituição monogâmica é repleta de contradições e sublimações que enterram e desterram certos sonhos.
_Não vai se molhar não?-suas curvas e o sorriso eram a representação simbólica das atrizes de sex- movies.
_Vou criança, é que eu gosto de olhar pra ti de biquíni. Sempre gostei de sua bunda.
_Então vem pegar, ou cê ta virando voyeur?
Nesse instante interrompemos a conversa e teve início outra linguagem que eu nunca poderia esquecer. Beijei-a como nunca mais a rotina havia permitido e suguei teu seio fazendo movimentos circulares com a língua ao redor do mamilo como manda o figurino.
_Ahssss.........Deixa eu chupar sua pica!
Vamos dar um tempo por aqui pra que essa narrativa não pare nas páginas das revistas pornôs de décima oitava categoria.
A Chapada Diamantina é um lugar realmente bonito, só que sou muito urbanóide e toda a bucólica beleza do lugar começa a me dar tédio. Depois de uma foda das boas vou fazer as perguntas de sempre: Será que vou publicar algo concreto na vida? Meu estilo não é muito parecido com algum escritor consagrado? Como falar de sexo sem que a escrita caia no rótulo de subliteratura? Minha prosa seria tão boa, ou pior, que as poesias?Por que não largo tudo só pra escrever? E como iria viver?
È sacanagem ter que acordar ás seis da manhã e chegar no colégio ás sete e falar com a diretora e os professores e pegar a caderneta para mais uma aula de Língua Portuguesa ou Inglesa. Parece que as teorias construtivistas e as leituras sem fim dos textos de Paulo Freire em busca da educação dita revolucionária e humanizada fizeram surgir uma legião de analfabetos no Brasil. Na época do chamado ensino ortodoxo, as pessoas aprendiam, pelo menos, á ler e á escrever. Stephen Dedalus foi submetido na juventude ás mais severas rigorosidades de um ensino católico e retaliador na Dublin de seu tempo e, nem por isso, Joyce deixou de se tornar uma das expressões mais inovadoras da literatura de sua época e de todas as épocas. Esse papo de não ensinar gramática pura, levar musiquinha e teatrinho pra sala de aula e fazer dinâmica de grupo só afasta os estudantes da leitura, da escrita e da Literatura. Não agüento mais falar de Gregório de Mattos, Machado, Castro Alves entre outros escritores pra uma platéia de internautas e fãs de telenovelas. Deveria existir algum mecenas que me achasse um gênio em estado de lisura e começasse a me bancar em prol da sagrada missão de espalhar minhas baboseiras pelo planeta.
Só que a árdua tarefa de lecionar tem suas compensações quando, por exemplo, começo a me lembrar de situações nas quais ser professor facilita muito a obtenção dos prazeres imediatos. Há mais ou menos três anos, quando ensinava numa escola suburbana do município de Feira de Santana á noite, havia uma criatura de dezoito aninhos do segundo ano que parecia uma fada perdida num manicômio. Baixinha, bunda perfeitamente arredondada, cabelos pintados de loiro, e aquela boca onde cintilava a volúpia e o brilho do aparelho nos dentes. Numa certa ocasião, quando saía da 7a B, ao descer a escada do segundo pavilhão, tive a imensa felicidade de encontra-la e a sórdida disse:
_Professor, gostou de minha saia?-ela passava brilho nos lábios e me olhava com uma expressão que misturava timidez e sacanagem.
_Minha filha, pare com essas brincadeiras que eu tenho problema de coração.
_Eu resolvo seu problema na hora que o senhor quiser-Eu só tinha vinte e cinco anos, mas até os alunos da terceira idade me chamavam, por respeito, de senhor. Trocamos telefones e ela me convidou pra um show de pagode que ia rolar na Estação da Música e, mesmo com a aversão que tenho á esse tipo de música baiana, não faltei ao encontro.
Na entrada do show Amanda me deu um beijo que me deixou mais que esperançoso. Lá dentro era a visão do inferno; gente espremida, cerveja quente e aquela música desgraçada que dispensa comentários, se é que se pode chamar aquilo de música. Além da pobreza sonora do estilo, as bandas eram compostas de péssimos músicos em termos de performance e afinação, e olha que não faço muitas exigências em se tratando de “manifestações populares”. Com aquele tipo de representação cultural, o povo baiano se encontra em estado de simplória mediocridade alienante, mas depois de umas oito latas de cervejas quentes, esqueci os acordes e me concentrei no seu rebolado. A recompensa no final foi muito gratificante e ao chegarmos ao meu quarto, quando tirava sua roupa, tive uma espécie de taquicardia e quase não ia conseguir atuar bem em virtude do nervosismo causado pela perfeição das formas daquela criatura. Amanda era o que popularmente se chama “uma coisinha”, e eu jamais poderia perder uma oportunidade como aquela. Tirei sua blusa, a calça justíssima e a miniatura de calcinha e, no instante em que minha boca tocou o monte de Vênus, o feromônio que exalava cuidou do resto.
Lembrando dessas coisas e vendo Lua deitada despida á minha frente, só posso agradecer á Deus por momentos como este. Professor de escola pública ganha mal, mas tem suas vantagens. Pena a diretora ter descoberto e cancelado meu contrato.
E Luana continuava largada de bruços na beirada do rio e sua nudez me desesperava e eu queria parar a existência naquele instante em que me sentia acima de todo o contentamento.
_Tô com muito medo!
_De quê meu amor?
_Sei lá, tô me sentindo muito feliz como se, nesse instante, eu fizesse parte da natureza que me cerca e a vida pareceu fazer sentido. As pessoas não estão nesse planeta pra serem felizes, algo está errado.
_O único erro nisso tudo está em sua mente-Lua levantou e começou a vestir a parte de cima do biquíni só que, ela ficou tão linda somente com a parte de cima que fui forçado a coloca-la de quatro e começar tudo de novo. Esses momentos são o compensatório de todos os aborrecimentos de uma vida conjugal.
_Me conte uma história.
_Como assim?
_Todos os seus amigos ficam deslumbrados com suas histórias, mas se você só tem coisas interessantes pra conversar com eles, deixa pra lá.
_Cê quer que tipo de história? De putaria?
_Não, isso agente já fez.Que tal uma tragédia?
_Não existe mais tragédia em nosso mundo. Um monge que se ateia fogo ao vivo transmitido em horário nobre nas telas de TV é algo absolutamente normal assim como o próximo jornalista a ser esquartejado numa favela carioca. Vou contar uma história meio pastelão, meio policial.
_Era uma vez...
_Não há maneira mais interessante de começar não?
_Agora lembrei de Tom Raiva e vou contar uma das dele. As Aventuras de Tom Sawyer, de Mark Twain, foi o primeiro romance que li na vida e poderia escrever as aventuras de Tom Raiva.O rapaz tem uns poemas meio estranhos. Ele foi seu aluno de teoria da literatura, não foi?
_Foi sim e os poemas dele são muito bons, melhores que os seus. Não posso dizer melhores, é que os poemas dele têm um vocabulário ao mesmo tempo sujo e erudito e uma sonoridade diferente com imagens estranhas, como num poema dele onde decorei essa estrofe: “Lacrimejam vermelhos como em gás lacrimogêneo/E bocejam entorpecidos, nus, impregnados/Serenas atrocidades de orquídeas defloradas/Gatos que ejaculam em telhados proibidos”.-e por aí vai...
_Éramos muito amigos na adolescência, estudamos no mesmo colégio e o cara era bem diferente de hoje; magricela, cabelo até o meio das costas, jogava basket e sempre sabia coisas muito á frente da nossa idade. Quando tínhamos quinze anos lembro que ele já citava nomes como Rimbaud, Bandeira, Kerouak, Rosseline, Van Gogh, entre outos. Foi com ele que aprendi á gostar de arte. Aquela criatura tem um papel extraordinário em minha existência me apresentando obras como O Processo, Crime e Castigo, os livros de Miller, filmes de Fellini, David Linch, Orson Welles, e sons como Stones, Zeppelin, Doors, Secos e Molhados, Mutantes, King Krimson, Charlie Parker, e outros lances. Sempre foi muito emotivo. Se gostava de uma garota, dedicava-lhe odes decassilábicas de quatro folhas de caderno e quando éramos oitava série do antigo primeiro grau, o miserável dominava com perfeição as formas clássicas da poesia como o soneto camoniano e falava de Bocage. Na época ninguém pensava em internet e vivíamos no interior. Não sei até hoje como nunca publicou nada. Quando está bêbado, sobe nos palcos da noite soteropolitana e declama algumas.
_Parece um caso clássico daqueles que só serão lembrados post mortem.
_Ele ainda é jovem, não tem nem trinta anos.
_Mas é romântico, briguento e tem tendências suicidas.
_Ele fala aquelas coisas da boca pra fora, jamais teria coragem, apesar da aversão que tem ao catolicismo e ao protestantismo, acredita em seres extraterrenos, magia, candomblé e essas ondas. Diz que não precisa de padre e que o contato dele com o ser supremo é algo direto, como esses caras que falam sozinho. Na minha opinião ele se dirige á sua consciência arrependida e desesperançada e não á Deus.
_Você um dia irá acreditar.
_Os únicos que morreram e ressuscitaram foram Cristo e Lázaro e eles não contaram nada sobre o além-vida nas escrituras sagradas. E pare com essas coisas de um dia você acreditará. Parece esses crentes idiotas que ficam repetindo: “Jesus está voltando”. Se um dia ele voltar será, com certeza, pra notar que seu sacrifício por nós foi em vão e agora irá eliminar todos esses imbecis da face do planeta. Quando tínhamos cerca de dezessete anos, fingíamos que éramos religiosos, chamávamos todos de irmãos e íamos pra igreja batista se dar bem com as lindas e semianalfabetas evangélicas. Minha avó se mudou pra minha casa, a sua casa ficou vazia e íamos lá levar umas garotas, fumar um baseado, tomar umas biritas e, era na casa da vovó que nos finais de semana, rolava o ensaio da banda de rock de Tom Raiva. Lembro que era dia de chuva e eu me armei com uma moreninha de uns dezesseis anos, parecia uma índia.
_Me poupe dos detalhes.
_ São esses tipos de detalhes que fazem com que meus amigos vibrem com minhas narrativas. Por isso não gosto de te contar...
Ela me interrompeu de uma forma que dissimulava ciúmes.
_Vá lá, continue sua história.
_Ta certo. Eu fiquei com essa guria e Raiva com uma negôna da bunda enorme.
_Do jeito que ele gosta. Só ele não, você também.
_Se me interromper novamente não conto mais nada. Quando eu tava começando o aquecimento na sala, ouvi um grito e a porta do quarto se abriu com Tom arrastando a evangélica nua pelos cabelos. Colocou-a peladona mesmo na porta da rua e jogou a roupa dela pela grade.
_E você não fez nada?
_Eu tentei acalmar a amiga que estava em pânico e também foi embora.
_É claro. E ele fez isso por quê?
_Me contou que a figura era a maior safada. Uma pecadora por vocação. Com apenas um beijo ele já foi tirando a roupa da criatura, chupou a boceta, colocou o pau na boca da serva do Senhor que prontamente serviu e, segundo ele, quando deu a primeira metida, a menina se afastou, apertou seu pau e disse: “ainda é tempo de se arrepender, arrependei-vos e crede no evangelho”.
-Ha, ha, ha, ha, qui,qui, qui, qui, ha, ha, ha...-Luana ria frenéticamente, a cara toda vermelha.
_ Cuidado pra não explodir!
_Pare filho, que eu num guento mais rir. Quer dizer que senhor Tom melou sua foda?
_ Cê falou de uma maneira muito vulgar agora.
_Pronto, era só o que faltava. E depois?
_O pai da menina deu queixa na policia e ele só não foi preso porque era de menor. Sempre foi bom contador de histórias. Disse que no dia no qual foi intimado, contou o caso de uma forma tão veemente que o delegado riu e depois teve de pedir desculpas ao pai da garota que estava presente com ganas de estraçalha-lo. O confronto entre o pai e o irmão da figura contra Tom Raiva só aconteceu um certo tempo depois.
_E nessa época Tom já lutava Jiu-jitsu?
_Estava começando e acreditava que tinha poderes acima dos outros, que podia liquidar uma pessoa comum, ou seja, quem não praticava o Jiu-Jitsu. Hoje ele acredita que um homem comum é aquele que não tem seu conhecimento ou inteligência. È um maluco. Tem umas teorias de supremacia dos escolhidos pelos dons do espírito e da consciência, uma espécie de Raskólhnikov pós-tudo.
-Olha só que contradição. Se o pai da menina era evangélico, como é que foi procurar encrenca com Tom?
_Tem momentos em que decorar certos versículos e repetir as palavras do pastor não é o bastante para acalmar a fúria de um pai que não encontrou solução nas vias legais e acha que Deus ordena que tome uma posição. Esqueceu meu bem, “Olho por olho, dente por dente”?
_Então, me conte sobre a briga.
_Isso já é outra história.
_Please honey, tell me the story.-Quando Luana falava algumas expressões em língua inglesa, seu semblante assumia uma forma ao mesmo tempo sexy, perversa e antipática. Uma loucura.
_Vá na barraca pegar o licor. Traga um copo cheio, um beijo e eu penso em te contar o resto-A barraca de camping ainda tava com gotas de chuva da noite anterior.
_Muito caro você querido. Só vou porque sou muito curiosa.
_Eu disse que ia pensar em contar. Jamais comente essas coisas com ele, cê sabe que o cara é estressado.
_Ta com medo é?
_Só por isso não vou contar.
_Já tô indo pegar o licor, vai fumar?
_É claro. Por que ao invés de um simbolista do início do século passado como Da Costa e Silva, você não fez um estudo de minha obra como tema de sua pesquisa?
_Você ainda não é canônico meu bem. Só poucos artistas e escritoriozinhos sem grana conhecem seu único livro de poesia publicado. Sua prosa não obedece á uma organização sistemática pra que possa ser editada. E aí, vai contar sobre a briga de nosso amigo?
_Você é muito jovem e presunçosa. Só porque citou uma pilha de gente que escreveu e pensou na mesma coisa que você para que pudessem legitimar sua monografia e te deram, aos vinte e nove anos, o título de Doutora em Teoria da Literatura, não significa que cê saiba algo de fato. Sua noção de literário enquanto arte é muito dissociada da vida e do chão onde os autores das obras citadas em seu trabalho pisaram, construíram e sonharam a verdadeira Literatura. Qualquer um é doutor hoje em dia mesmo sem ter lido clássicos como Cervantes, Homero, Vieira, Joyce, Kafka, Dante Alighieri, etc. Se pessoas como vocês são considerados Doutores eu, sem megalomania, deveria receber o título de Marquês em Literatura.
_Pena que não se alcança um título lendo, conversando, nem escrevendo ou declamando poemas para a imortalidade. É preciso disciplina e trabalho; coisas que você detesta.
_Mesmo irritada a menina não perde a pose. Como dizia o velho Lobão: “Existe sempre alguma coisa por trás de quem posa, mas ela posa bem”.
_Vai contar ou não vai?-Lua fazia aquela familiar careta que significava que estava perdendo a paciência e, se eu não começasse a contar rapidamente, iríamos começar uma briga com certeza.
_Muito bem, o combate de Tom Raiva. Dias antes da luta entre os três, vale ressaltar que o pai da menina havia cruzado com ele e, no instante em que olhou pra nosso amigo, ele perguntou prontamente: “Ta me achando bonito coroa?”. O cara era muito insolente e desaforado e o pai da figura não lhe deu nenhuma resposta. Quando Luís de Camões escreveu O Desconcerto do Mundo, ele se referia ás injustiças sofridas pelo homem de bem, enquanto os embusteiros e facínoras levavam vida de reis e sempre se davam bem. A justiça cósmica e universal deveria estar ao lado do pai ultrajado e sua filha, mas não foi isso que aconteceu. Assim como Camões, nosso anti-herói era poeta e arruaceiro e, no instante em que o pai da menina deu a primeira paulada na cabeça de Tom Raiva, ele correu na direção do homem e seu filho também se aproximou com outro porrete em mãos na rua que dava pra referida igreja batista. Eles só não sabiam que quando enfurecido, nosso protagonista chegava a ponto de deslocar algumas articulações do oponente e desfigura-lo sem deixar de chorar e se arrepender, pedindo a Deus que o perdoasse depois do ocorrido. Após a paulada, Tom Raiva foi primeiro na direção do filho, fez que ia dar um soco e, quando o irmão da evangélica desferiu o primeiro e único golpe de porrete, ele se esquivou, abraçou e derrubou o infeliz e aplicou um estrangulamento que os lutadores de Jiu-jitsu chamam mata-leão. Enquanto estrangulava a vítima, o pai desesperado tentava soltar o filho dando uma mordida nas costas de Tom que, depois de deixar o cara inconsciente, voltou sua ira para o pai em estado de choque.
_Meu Cristo, como uma pessoa tão instruída pode ser capaz dessas perversidades?
_Não sei, o que sei é que ele abraçou as duas pernas do coroa na altura do joelho, levantou-o ao máximo e o jogou no calçamento de cabeça. Raiva teve que ficar em Salvador na casa da avó por mais de dois anos depois do incidente pra escapar de conseqüentes revanches ou problemas com a justiça. O pai da guria tomou mais de quarenta pontos na cabeça e, voltando ao momento da luta; depois de estatelar o progenitor, ele se voltou para o filho que acabava de recobrar a consciência, aplicou-lhe um outro estrangulamento e, quando desacordou o oponente, quebrou o pé e deslocou o ombro do rapaz. Só lembro que ele chegou na rua com a cabeça sangrando e as costas da camisa verde ensopada de sangue em virtude da mordida e gritava: “podem me chamar de Wolverine, o predador de crentes”. Muitas de suas histórias eram realmente fantasiosas, ninguém jamais saberia se tinha se passado aquilo de fato, ou se o maior contador de histórias do planeta estava incrementando como sempre. Quando me disse o que tinha rolado, fiquei mais admirado ainda. Normalmente fui meio covarde e sua bravura sempre me deu um pouco de inveja.
_Não há maior bravura que assumir a covardia. Nosso amigo é inteligente e muitíssimo arrogante. Mesmo errado, nunca dá o braço á torcer, o desgraçado. Parece uma pessoa meiga com aquele olhar caído e angelical. Quem o visse pela primeira vez nunca acreditaria em situações como essa. Deve ser por esse tipo de coisas que sua mãe detesta o cara.
_Sem dúvida.
_Me conta outra.
_De Tom Raiva?
_Pode ser. Que tal uma sua?
_Primeira pessoa é?
_Que é que tem? Algum problema com pronome?
_Absolutamente. Posso colocar pseudônimo e contar na terceira pessoa?
_Que nome escolheria?
_Deixa pra lá, vamos á experiência autobiográfica.
_Era uma vez...
_Pare com isso.
Capítulo II.

Alguns minutos depois, tomamos um improvisado café da manhã, desmontamos acampamento e fizemos a trilha de volta a Lençóis onde iríamos pegar um ônibus pra Feira de Santana e de lá, um outro até Salvador. Apesar de não simpatizar com a ética e a estética artística soteropolitanas, alguma coisa me prende àquele lugar. Pode ser as inconscientes recordações da infância, o surpreendente cheiro de salitre e as beldades na areia e o mar. Não ha rio nem cachoeira que se compare a tua beleza. Iemanjá, Poseidon, Netuno, Ogum Marinho, me esperem que eu chego com saudades desse poluído odor de Jaguaribe, Ribeira, Itapoá, Porto da Barra, Rio Vermelho, Jardim de Alá. Acredito que jamais conseguiria permanecer muito tempo longe de Salvador. Aceito e me encaixo perfeitamente no rótulo de verme de Brotas, bairro onde aprendi a amar, mentir e sentir como se pudesse absorver tudo que me cercava como se fosse a última vez. Lembro que numa certa ocasião, quando caminhava pelas ruas do Matatú de Brotas, me veio a nítida sensação, aos onze anos, que iria morrer um dia e, já que iria morrer, será que tinha que fazer o que sempre fiz? E todas as pessoas que sabem disso não se desesperam? Já que é pra morrer, pra que porra nascemos? Pensamentos de criança que nunca me abandonaram. Foi nesse período que comecei a me sentir um estrangeiro, não como o de Camus. Um estrangeiro que ama uma cidade que acredita só ele poder enxergar. Sempre fui presunçoso.
A viagem de volta á Feira de Santana foi angustiante. A estrada era péssima e as pessoas contavam suas histórias sobre o mesmo assunto: que haviam sido assaltadas nesse mesmo trecho. Os assaltantes se aproveitavam da baixa velocidade dos ônibus por causa do estado da pista e deixavam as pessoas somente com a roupa do corpo. Luana começou a ficar nervosa e eu tentei acalma-la:
_ Não vai acontecer nada. Se acontecer, temos pouquíssimo dinheiro e geralmente, quando antecipamos algo que tememos, esse algo jamais acontece. Vai por mim.
_Ok, se um cara aponta uma arma pra minha testa e diz que vai atirar e, se antes que ele aperte o gatilho, eu antecipar o fato, temendo e imaginando a bala transpassando meu cérebro, isso não irá ocorrer. Odeio superstições imbecis. Era melhor você ter ficado na sua.
_Ta bom, então fique aí sofrendo que eu vou dormir, são sete da noite e só me resta tirar um cochilo.
_Não sei como consegue dormir com esse ônibus balançando pra lá e pra cá.
_Técnica faquir.
_Me abrace que eu tô morrendo de frio. O ar condicionado do busú ta muito forte-Nesses momentos sua feição de menina contrastava com a arrogância que muitas vezes aflorava em sua personalidade. O título de Doutora em Teoria da Literatura pela UNICAMP havia enaltecido sua pompa e ela perdia aquela simplicidade de guria do interior que sempre me encantou. Será que estou com dor de cotovelo por ser um professorzinho sem título pensando que é escritor?
Pela janela do ônibus deflagrava-se um céu onde a via-láctea parecia cocaína batida em mesa de mármore preto e eu tentava enganar minha fome bebendo água mineral enquanto chegava o próximo ponto de apoio.
Uma editora se interessou por alguns de meus contos e perguntaram se eu conseguiria escrever um romance denso e ao mesmo tempo empolgante sem cair no tédio dos romances de agora. Eu aceitei. Os idiotas só não sabiam é que eu iria pegar alguns contos, criar situações de relação entre eles, substituir os nomes de alguns personagens dividindo os contos em capítulos e encadeando as histórias. Sempre quis escrever um romance de capítulos bem curtos como os da fase realista de Machado de Assis, mas com o prazo que me deram, isso ficará pra uma outra ocasião.
Gosto mais de meus poemas que da prosa. As pessoas acham o contrário e acredito que seja pela falta de hábito com a linguagem poética. Parece que a poesia está com os dias contados. Pelo menos os poetas, que se autoproclamam entendedores de poesia, gostam. Pena que meus poemas não tenham poetas como público alvo. Às vazes penso que não tenho público alvo e esse público seria constituído de muitas réplicas de minha pessoa. No fundo, cada escritor escreve pra si mesmo. Espero que eu goste do que escrevo pra mim.
Quando chegar no apartamento vou pegar uns cascos e comprar umas cervejas no trailer da rua de baixo, colocar The Heart of Saturday Night de Tom Waits enquanto os carros deslizam como hemoglobina na Dom. João VI em artéria escancarada. Sorte que o ônibus parou num ponto de apoio e pude comer uma esfírra de carne detestável pelo triplo do preço. Lua preferiu ficar dormindo na poltrona 47, toda coberta e com uma touca na cabeça. Quando penso que quase enlouqueci por essa mulher e vendo-a adormecida com essa cara de ninfa celestial, me conformo com o fim que a tudo abraça e me acalmo. Em casa é só o carpe diem absoluto embalado por Tom Waits ou The Walkabouts. Como um assassino premeditando o crime perfeito, imagino a trilha sonora, as carícias, de como tenho que prender o gozo e variar e ser eternamente o fodão e príncipe perpétuo e anjo-dono e pai querido.
Entro no ônibus me dirigindo a metrópole baiana, ela continua dormindo e me pergunto: Será que toda vez tenho que faze-la gozar? Tem que ser sempre inesquecível? Ela finge pra mim? É claro, elas sempre fingem, afinal nós homens é que jamais podemos fingir. Como dizia o antigo porteiro de um prédio de um brother no Engenho Velho da Federação: “O brinquedo delas é de abrir e o nosso é de armar, é mais difícil”.
Tenho que parar de ter ciúmes e esses sentimentos medievais de posse. Se um dia o cara chegar, se é que nunca chegou, e “montar em minha bicicleta”, não posso me desesperar. Já passei por isso numa outra situação, só que sou louco por essa criatura. Dizem que tem caras que sentem tesão ao verem a esposa sendo enrabada por outro maluco. Sou meio antiquado e egoísta e a industria pornô ainda não mudou minha concepção de relacionamento. Será que é pelo fato de o título acadêmico parecer vir acompanhado de uma espécie de título de nobreza? Ela dá aula na universidade, dorme dois dias em Feira de Santana e é linda de matar. Pensando nas mulheres casadas que já conquistei, inclusive a própria, começo a ter uma espécie de arrependimento, mas história de adultério não seria o foco principal dessa narrativa. Existe uma coisa pior que a mentira e o desprezo: a inutilidade. Preciso escrever, ter disciplina, Luana tem razão. È só sentar á frente do computador e as imagens começarão a aparecer. Computador pra mim é somente uma maquina de datilografar com mais recursos. Ela nunca mais leu o que ando escrevendo, nem ela nem ninguém.
Lua me acordou quando já chegava na rodoviária de Salvador.
_Vamos comer aonde?
_Tava pensando em pegar umas cervejas e fazer algo em casa mesmo.
_Uma da manhã e estamos viajando há quinze dias. Não tem nada em casa. Vamos pensar num lugar pra jantar Rafael, tô morrendo de fome!
_Vamos naquele restaurante chinês na Cidade Baixa.
_Boa idéia.
Tomamos um táxi na rodoviária e Luana foi logo chiando:
_Bandeira dois! Faz um menos aí meu tio?
O taxista, um senhor calvo, magro, moreno e grisalho, sorri e cedeu aos caprichos da guria. Aquela sovinice de Luana me estressava. Tinha pena de gastar com tudo, menos com roupas. Comprava roupas de grifes caríssimas e falava num mundo mais justo. Ninguém é perfeito.
Paramos, ela pagou e fomos sentar na última mesa perto duma imensa gravura dessas paisagens orientais repletas de vulcões e árvores de copa vermelha. Um descendente de chinês creio, veio nos atender e antes que ele trouxesse o cardápio, Lua foi logo interpelando:
_Uma jarra de saquê e um rolinho de queijo.
_E o senhor?-Ele falava fazendo uma espécie de reverencia típica dos orientais. Detesto essas palhaçadas.
_ Eu vou querer um rolinho de carne com repolho e meu saquê é quente.
_E o meu gelado.
_E para jantar?- O sacana perguntava fazendo aquela porra de reverencia.
_Eu quero família feliz.
_É mesmo gatinha! Uma família feliz borbulhando no tacho meu brother!
_É pra já.- Nem precisa dizer que o garçom fez a reverencia novamente antes de levar o pedido. Família Feliz é um prato realmente completo com macarrão, camarão, carne de boi e frango desfiados, carne de porco em cubos, ovos de codorna, cenoura, acelga chinesa em fatias finíssimas, castanha e um delicioso molho a base de soja e coberto por um pouco de molho agridoce. Adoro essa comida altamente protéica. Nunca fui muito fã de comida de restaurante japonês, sempre me amarrei em chinesa, tailandesa. Queria experimentar algumas mulheres típicas de determinados países, assim como a comida. Que besteira! Mas nem só de conflitos de um gênio angustiado vive a literatura, è preciso amor, tesão, escuridão e luz como um plasma em simbiose com essa droga de existência.
Chamamos um táxi e fomos pra casa. Na porta do prédio se encontrava meu velho amigo Tom Raiva.
_E aí grande figura, que é que cê ta fazendo aqui essa hora?
Ele chegou mais perto pro porteiro do prédio não ouvir e falou:
_Me deixe entrar que os homens da lei tão atrás de mim. Fiz a maior merda essa tarde. Deixe eu dormir aqui essa noite pra escapar do flagrante.
_E aí Raiva como é que ta?
_Beleza Lua. Beleza não, mais ou menos.
_Pra variar.
Tom se voltou pra mim e perguntou:
_Será que ela não vai pirar se eu me jogar aqui essa noite?
_Com certeza vai, mas fazer o quê? E aí, que caralho você fez dessa vez?
_Lá em cima eu te conto
_Você ta perto de fazer trinta anos meu velho.
_Só tenho vinte e sete.
_Hendrix morreu com essa idade. Gosto até do que você escreve, mas pra ser um Jimi Hendrix da literatura você vai ter que evoluir ainda mais.
_Sabe aquele centro?
_Que centro?
_O centro do seu cu? Vá tomar no centro do seu cu!
Com essas palavras lisonjeiras de nosso herói, será melhor por fim a esse capítulo.